História da Filosofia 1 – Ata da aula do dia 19/08/2010
Após uma breve recapitulação da aula anterior (12/08/2010), abordou-se a questão: "será o pensamento histórico, ou as condições em geral de uma época condicionam-no?" Pode-se sustentar tal dúvida no fato de que consideramos estranho o pensamento de sociedades anteriores à nossa. Acessando documentos de tais épocas é possível determinar que pensavam realmente de modo diverso. Sabe-se que as condições históricas e sociais estão fortemente relacionadas ao contexto histórico, político, estético, social, entre outros. Daí segue-se que o pensamento de uma época relaciona-se também a todos esses fatores. Surge, então, outra pergunta: "se a filosofia é um novo modo de pensar surgido em uma época, quais seriam as condições que favoreceram o seu surgimento?"
É preciso saber, portanto, onde e quando surge a filosofia. Sabe-se que seu surgimento dá-se na Grécia (mais especificamente na Jônia) do século VI a.C, na cidade de Mileto (atualmente Itália). Mas, há dois mil e seiscentos anos atrás os conceitos de estado e nação eram completamente diferentes daqueles que herdamos das revoluções européias do início do século XIX. Entre os helenos (a quem chamamos "gregos") não havia uniformidade religiosa, embora houvesse continuidade, tampouco uniformidade política. As cidades-estado gregas não partilhavam entre si muitas características importantes pelas quais pudéssemos caracterizar os seus habitantes como "gregos" senão a língua. O fato de vários povos possuírem formas sintáticas e semânticas idênticas conformava-lhes as maneiras pelas quais a realidade poderia ser representada. Uma concepção de realidade é o que une os gregos.
Os valores gregos eram transmitidos através dessa língua, na forma de poemas. O grego micênico e arcaico experimenta a realidade por meio das narrativas cosmogônicas: aí encontravam-se suas questões sobre o mundo e a resposta a elas, o sentido da existência daquele povo. Uma narrativa cosmogônica conta a origem do mundo ("kosmos" significa "ordem, universo" e "gonos" significa "origem"), de que modo as coisas são ordenadas. A ordem se estabelece no "khaos" (cisão, desordem) de modo genético. "Epos" é a palavra grega que designa narrativa. Quando alguém narrava um poema cosmogônico, cantava o "mythos". O "mythos" é a forma de manifestação, por excelência, da verdade. A alma sabe tudo, pois faz parte de tudo. Mas durante o nascimento, quando a alma funde-se ao corpo, o demiurgo banha-a no rio Lethes, o rio do esquecimento. A verdade não é, portanto, contrário do que é falso, mas do esquecimento. Verdadeiro é tudo aquilo que é digno de ser lembrado e lembrar trata-se de libertar-se do esquecimento imposto à alma.
A verdade é, então, a palavra lembrada, a justificativa da ordem do mundo. Quem tem domínio da "alethéia" (verdade), domina o poder e essa figura é o "ánax". Ele é quem INSTAURA a ordem do "kosmos". O "ánax", ou rei divino, é o senhor da "alethéia" durante o período Micênico. Da passagem desse período para o Arcaico, seu poder é diluído entre os "aristói" (herdeiros da "areté" - virtude, excelência). A religião heróica é o fundamento do poder aristocrático ("aristói" e "kratos", que significa "poder"), pois os "aristói" são descendentes diretos dos antigos heróis. Eles têm a virtude necessária para governar, exercer o poder, pois descendem de uma linhagem divina e são, portanto os novos portadores da "alethéia". A passagem do período Arcaico para o clássico é marcada por uma grande inovação: o poder dilui-se ainda mais, surge a democracia.
A democracia marca uma inovação na forma de lidar com o poder: a palavra e a verdade, "logos" e "alethéia", são dessacralizadas e laicizadas. A "alethéia" não é prerrogativa de apenas um ou um grupo privilegiado, mas de todo o "demos". Mas há um problema, quem é o "demos" da cidade? É preciso discutir, debater e criar um conceito que lhe fizesse juz. O conceito está sujeito ao debate, à crítica racional. A palavra e a verdade são banalizadas, a narrativa poética cede lugar ao discurso prosaico. A palavra que determinava a ordem do mundo torna-se banal; o mundo, em conseqüência também, torna-se banal. O kosmos, assim como a sociedade, não podia ser mais justificado pela distribuição de domínios por um soberano: há uma estrutura que pode ser apreendida, que lhe seja imanente. Surgem as primeiras cosmologias.
Os homens passam a se questionar quanto à "physis" (natureza, ordem do mundo). Tales de Mileto, pelo que se tem notícia, é o primeiro homem a propor uma justificativa racional para a ordem do "kosmos". Mas a filosofia não surge aí, com Tales. Surge com Anaximandro, quando este postula outra razão para a ordem do "kosmos", lançando um argumento persuasivo, contestando as idéias de seu mestre. A filosofia surge, então, fruto do primeiro confronto de idéias justificadas racionalmente.